sexta-feira, 8 de maio de 2009

Na morte de Vasco Granja



Os vereadores da CDU na Câmara Municipal da Amadora, apresentaram uma moção de pesar na última reunião (6 de Maio de 2009) deste órgão.



A moção foi aprovada.



Obrigado amigo!


“Olá amigos”. Começava assim o programa de Vasco Granja na RTP. Durante dezasseis anos, todas as semanas, com a sua expressão afável, a voz um pouco trémula, quase tímida, o sorriso gentil, o discurso sereno, ritmado e transparente, Vasco Granja iniciou gerações de homens e mulheres no mundo, misterioso e fantástico, do cinema de animação e da banda desenhada. Mas, talvez não menos importante, foi a ouvi-lo e a ver os filmes que diligentemente exibia nos seus programas, nas aventuras daqueles heróis de plasticina ou de papel que deslizavam e corriam pelo écran, que muitos, crianças ou menos jovens, aprenderam a soletrar o sentido profundo de palavras como paz, amizade, solidariedade.

Vasco Granja pertence a uma geração que se fez com a vida, na labuta diária pelo sustento, e que aprendeu nas oficinas, nos escritórios, nos cafés e nas ruas, na conversa solta e franca, que a cultura é a mais suprema forma de liberdade. Começou a trabalhar cedo. Não se dava bem com os números, eram as letras que o atraíam. Aprendeu a cultivá-las nos cartazes das promoções dos Armazéns do Chiado que desenhava, ao balcão da tabacaria Travassos, nas visitas frequentes à Biblioteca Nacional, nos passeios pelos museus de Lisboa. O Bairro Alto era a sua casa, Lisboa a sua rua. O cinema era já a sua paixão, e os bilhetes de ocasião tornavam pequena uma cidade percorrida a pé, entre matinés e soirés.

No Portugal triste e sufocado, o cinema era uma linguagem de encontro, de convívio e de resistência. Nos cineclubes forjavam-se cumplicidades, animavam-se os amigos, agitavam-se as consciências, olhava-se o mundo e sonhava-se um outro país. Vasco Granja participou activamente nesse movimento, desempenhando, em particular, funções de direcção no Cine-clube Imagem. Data dessa época – os primeiros anos da década de cinquenta – o início da militância no Partido Comunista Português que manteria durante toda a sua vida. O cinema, mas sobretudo a resistência ao fascismo, atraem sobre si a atenção da PIDE. É preso por duas vezes, em 1954 e em 1963. Na sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, enfrenta a tortura do sono. Experimentou os tribunais plenários, passou pelas masmorras do Aljube e de Peniche, mas nem a prisão, nem a tortura mataram a sua dedicação à causa da liberdade e da resistência antifascista, e o seu amor pelo cinema.

Datam de cerca de 1958 os primeiros artigos que publica na imprensa sobre cinema de animação. No início da década seguinte, começa a trabalhar na Livraria Bertrand e lá se manterá até à sua reforma. Na revista Tintin, onde escreve regularmente e para onde traduzia artigos, na segunda séria da revista Spirou, nos Quadradinhos, um dos primeiros fanzines surgidos em Portugal, Vasco Granja afirma-se como o mais destacado divulgador da banda desenhada e do cinema de animação, mas o seu prestígio não se esgota em Portugal. Participa, em 1960, na primeira edição do festival de animação realizado em Annecy, França, que se tornaria num dos mais importantes fóruns internacionais do cinema de animação, e poucos anos depois no Salone Internazionale dei Comics, em Lucca, Itália. Integra a equipa fundadora da revista francesa de crítica e ensaio sobre banda desenhada, Phénix. Em 1974 e 1975, participa no Júri do Festival Internacional de Angoulême, e, em 1980, no do Festival Mundial de Animação de Zagreb, o Animafest.

Com a revolução dos cravos, Vasco Granja pôde enfim abrir as portas do mundo do cinema de animação para um povo que, nessa época, aprendia novas linguagens para significar a liberdade reencontrada. No Cinema de Animação – o programa que manteve na RTP entre 1974 e 1990 – foi o mundo todo que entrou em casa dos portugueses. Chegaram histórias do Canadá, da Checoslováquia, dos Estados Unidos da América, da Polónia, de França, da Jugoslávia, de tantos e tantos países. Dominada por critérios de qualidade, a selecção dos filmes e realizadores que revelou semanalmente nunca deixou de ser marcada por um profundo humanismo, e pelo cultivo dos valores da paz, da tolerância, e da solidariedade.

Sendo um homem do mundo, Vasco Granja criou raízes na terra que tornou sua. Viveu na Amadora uma larga parte da sua vida. E também aqui, que foi a sua cidade, lançou a semente do gosto pela banda desenhada e o cinema de animação. No Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora que ajudou a erguer, e no trabalho diário e persistente do Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem, perdura uma larga fatia do seu entusiasmo, do seu compromisso cívico e da sua criatividade. Em 1996, Vasco Granja foi homenageado com a atribuição do Troféu de Honra Zé Pacóvio e Grilinho, uma homenagem justa que não esgota, ainda assim, a dimensão do seu contributo para a elevação da vida cultural do Município.

No dia 4 de Maio de 2009, a sua voz silenciou-se. Nesta hora, apetece devolver ao seu “olá amigos” um “obrigado amigo”. Façamo-lo, recordando o seu legado cívico e cultural, e prolongando, para as gerações mais novas, o seu gosto pela descoberta e a aventura da criação

.A Câmara Municipal da Amadora, reunida no dia 6 de Maio de 2009, delibera:

1. Expressar o seu mais vivo pesar pelo falecimento de Vasco Granja e expressar o respeito e reconhecimento do Município pelo seu exemplo de homem de cultura, e o seu compromisso com a luta pela liberdade e a democracia.

2. Endereçar à sua família e amigos, e ao Partido Comunista Português, o mais sentido pesar pelo seu falecimento.

3. Consagrar, oportunamente, o seu nome na toponímia da cidade e em local adequado.

4. Ponderar a realização, em tempo próprio, de outros eventos que homenageiem o seu contributo cívico e cultural para a vida da cidade e do país.

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